Às vezes acordo assim mesmo, suada, com palpitações e o rosto encharcado de lágrimas. Não, não são pesadelos. Acordo simplesmente aterrorizada e paralisada por um grande medo. Assim mesmo, sem mais nem menos: medo.
Medo de passar por esta vida e não fazer o que tinha que fazer como cuidar mais da família, estudar com afinco, conhecer os mistérios que me intrigam. Parar, enfim, de aprender alguma coisa todos os dias. Também tenho medo de perder os grandes amores da minha vida, que alguém me lhos leve embora, roubando meu coração junto com os valores da minha alma (ahaha como se alguém pertencesse ao outro).
Ou os medos da infância: as serpentes peçonhentas com seus gigantescos e afiados dentes injetores, das borboletas bruxas (aquelas gigantes e cinzas que ficam paradas, num canto da parede remoendo algum feitiço). De aranha caranguejeira – aquelas gigantes e cabeludas que espetam só de pensar. Ou do disco voador que vai levar meu pai e/ou minha mãe. Também o medo do ladrão audaz que possa me levar os estimados livros e roubar minhas histórias e medo do ladrão de sonhos que leva o doce da boca para deixá-la amargando. Com o tempo se agregaram ao coração os medos da maturidade: a falta de dinheiro, todos os receios pelos meus filhos, a cercania da morte…
Mas o que tira o meu chão, me dá tremeliques e me faz abraçar meu marido com todas as forças no meio da noite sem que ele se dê conta é a desonra de uma velhice abandonada – não abandonada pelos meus familiares, mas abandonada por mim mesmo ficando presa dentro de algum vazio silencioso da minha mente esquecida. Ficar presa no infinito com os olhos num horizonte mudo estrelado por um por de sol frio e sem cores para contemplá-lo. Olhar reticente o rosto e não apreciar ou receber o afeto de todos os dias da pessoa a quem amei toda a vida.
E ao desconhecer meu passado e minhas ideias, perder minhas paixões naquele horizonte, não sentir mais o aconchego do abraço de uma pessoa querida e ser aos poucos deixada por eles, e nesta proporção de migalhas ir me aproximado da desumanidade do ser e entrando e na personificando do nada.
Meu caro, fica completamente perdoado porque agora tenho a certeza de que arranhei nem que tenha sido de leve a sua alma; ou me equivoco?
Posso dizer-lhe apenas que comungo, como uma hóstia profana, exatamente o mesmo sentimento, tão mesmo que até mesmo sinto-os como se meus o fossem — e por isso os cito sem as acadêmicas e risíveis aspas… Também tenho medo de perder os grandes amores da minha vida, que alguém me lhos leve embora, roubando meu coração junto com os valores da minha alma. E acrescento, se me perdoas o atrevimento de bulir em teus versos: … furtando meu futuro como um mágico que foge com a equilibrista… I.B.